Thursday, January 7, 2010

A Quinta Da Andreia

País das Maravilhas

Só para começar acho que continuo a mesma, não fiquem preocupados, nem desapontados. Sou a mesma Andreia que alguns de vocês conheceram e gostaram mais ou menos. Estou apenas a caminhar num terreno novo e a descobrir um mundo tão diferente, tão revoltante. É uma fase estranha. Eu sei que muitos de vocês se identificam com a minha frustração. As minhas frustrações.

Eu fui para a universidade porque quis e não porque os meus pais me obrigaram ou porque não me apetecia ir trabalhar. Eu nunca imaginei outra coisa senão seguir para a universidade e viver todas aquelas experiências, o conhecimento. Eu sempre aprendi por gosto e nunca por obrigação. A longo prazo pensei que as boas notas, os pequenos esforços por dar o melhor, as noites acordada a formatar trabalhos, a escolher imagens, a discutir por um ponto ou uma vírgula, pensei que tudo isto me trouxesse um futuro melhor. Um futuro em algo que gostasse. Eu fiz o secundário na área de científico-natural, pensei por lógica seguir algo relacionado com saúde, por pensar que talvez me garantisse um futuro melhor. Mas quando chegou a altura de preencher o boletim coloquei em segunda opção um politécnico de que nunca tinha ouvido falar numa cidade que nunca tinha visitado que calhou de ser opção porque era a única escola que tinha como específicas para o curso de comunicação social disciplinas que eu tinha para utilizar. Não foi uma escolha racional, foi simples paixão por isto que estou a fazer. Calhou de ser assim, acho que cada um de nós tem a sua história. Acabei o curso com um currículo aceitável, uma boa média, Erasmus nos Países Baixos e um estágio no maior evento de moda do país. Isto para pôr as coisas bonitas e compreensíveis. Quando comecei a procurar emprego descobri que ia ser muito difícil, eu não esperava que fosse fácil, mas como de uma forma ou de outra sempre consegui fazer o que queria sempre tive esperança. Mas depois descobri que não serve de nada ter esperança ou princípios. Quando arranjei um emprego aprendi que ter um emprego não é tudo.

É este o estado do nosso país. Dizem-nos que devemos estudar para depois não construir nenhum tipo de apoio a licenciados. Eu inscrevi-me no centro de emprego e nunca mais ouvi falar deles. Neste país o que se valoriza num empregado? É o conhecimento? É a experiência? É a aparência? É o quê afinal? O que é que um licenciado tem de fazer para arranjar trabalho? Pelos vistos ser fodido.

É óbvio que me chateia. Me desilude. Me deixa menos feliz com uma realidade tão cruel que chega a ser ridícula.

Há coisas que me deixam mesmo possessa. Agora o simples facto de entrar numa loja de roupa deixa-me irritada e eu delirava com os saldos. Até há bem pouco tempo eu não sabia que as meninas que lá estão a dobrar quando a loja fecha ainda têm meia hora, uma hora, duas horas de trabalho pela frente para dobrar a roupa toda. Essas horas na maioria das lojas não são pagas. Eu tenho de entrar antes da hora, sair depois da hora e sorrir o dia inteiro. Trabalhar de graça enoja-me. Não me venham com tretas que temos que nos esforçar e ser bons empregados. Não estou a ser mal agradecida, nem exigente, estou a ser justa. Sou mal paga, trabalho fora de horas, abdico de ter uma vida. Contudo assim que eu deixar o meu trabalho outra irá aparecer para o ocupar. Neste país inteiro existem centenas, milhares de pessoas a trabalhar nestas condições, a sujeitar-se.

Como muitos de nós licenciados se sujeitam a estágio após estágio após estágio… Não acho justo, porque não é justo. As entidades empregadoras queixam-se dos encargos que um empregado traz, as despesas, mas eu não conheço um só empregado que seja mais rico que o patrão. Alguém conhece? É um país de tios patinhas, de invejosos. Não percebo como só o Alentejo está recheado de comunistas.

Ando chateada com isto, estou a dobrar os lotes de roupa e a pensar nestas coisas. Sinto-me péssima, sinto que de alguma forma faço parte de uma conspiração que só lixa os mais pobres. Mas lá está, também eu tenho de me sujeitar a algo que é contra os meus princípios. Também eu sou cobarde. Não estou deprimida, não desisti da vida, mas não é isto que quero para mim e enquanto não mudar não me posso calar, não me vou contentar. É só isso. Não estou a pensar que o mundo é cinzento, nem a preto a branco. Para mim o mundo será sempre colorido. Mas não posso ter um bom emprego neste país? O estado tem de comer quase um quinto do MEU miserável salário? Porque é que se queixam de falta de mão-de-obra qualificada se muitos licenciados estão esquecidos e nem para os números do desemprego contam? Que não haja nenhuma logística entre as três companhias de autocarro que fazem a viagem entre Braga e Vila Verde e que põem os autocarros a sair quase às mesmas horas para depois só passado uma ou duas horas teres um autocarro novamente, vá, é idiota mas ainda se compreende. Mas estamos a falar de um país civilizado que fecha os olhos a tudo o que não convém ver. Um país inteiro que foi abanando a cabeça e silenciando tudo o que não convinha dizer. O Salazar morreu há muito tempo. A escravatura devia estar no passado. O problema não é a crise, nem a gripe A, nem os casamentos entre homossexuais, o problema vem de longe é estrutura, logística e coerência. Três coisas que faltam no nosso país. Acima de tudo isto respeito. Porque se para poder Viver tenho de mudar de país então algo está verdadeiramente errado.

4 comments:

biolisboa said...

Muito bom. Não esperava ler estas boas verdades num blog de videos. Bom rap! Bom Ano. Está dificil mas vamos ser positivos senão, só mesmo em São Tomè e Princípe ou num outro lado (país) assim ameno. Abraços. Tá fixe!

biolisboa said...

Mais esta do site Rua de Baixo que agora me honrou cum um artigo e peras, digo, e piratas!
http://www.ruadebaixo.com/rui-de-castro-o-pirata.html#comments

Filipe Gonçalves said...

No outro dia fiz um comentario tao grande e nao consegui postar...deixa-me triste porque nao consigo replicar..mesmo assim liguei-te andreia e já te expus a minha opiniao!

A quinta é cada vez mais fantastica...

Mas nao sejas tao redutora nos problemas..as vezes precisamos de ser um bocado holisticos. Mas so um bocadinho! :D

Saudade*

Telma said...

Ser adulto não é nada fácil. Concordo com todas as tuas palavras e identifico-me plenamente com todos os medos e outro tipo de sentimentos que revelas-te neste texto..