Personalidade
Eu estou entre as pessoas que recordam a infância com muito carinho. Em geral consigo olhar para trás e encontrar momentos positivos ou que pelo menos resultaram em algo positivo. Mudei. Cresci. Ganhei hábitos. Perdi defeitos e qualidades. Ganhei traços profundos, gestos e manias. Acho que se me tivessem dito que a minha vida ia ser assim não teria acreditado. Se me dissessem na pessoa que me tornaria não conseguiria imaginar. Recordo as pessoas que conheci, aquelas que deixaram uma impressão, aquelas passaram, aquelas que magoaram, aquelas que ficaram. Penso nas brincadeiras no recreio durante a primária. No período estranho que foi a adolescência. Recordo as primeiras aventuras, roubar castanhas no campo do vizinho, ir com os meus primos com as cabras da Fátima do Ferreiro para o monte, a minha prima à janela enquanto eu apanhava sozinha o autocarro para uma escola em que não conhecia ninguém, as primeiras paixões, mentir para ir para o Moinho Verde de tarde, viajar, mudar-me para Setúbal, Erasmus, os passeios de bicicleta, sentir pela primeira vez um gosto que me soube a traço próprio: independência. Recordo as amizades que fiz, os irmãos para a vida que tive de deixar tão longe agora. Recordo que há um ano atrás amanhã seria um dia diferente e para mim melhor, porque vocês estavam lá. Sinto muitas saudades vossas e acho que é por isso que esta vida não me parece a minha. É isto que esta data me tem feito pensar, já me orgulhei mais de mim.
Hoje conheci uma senhora que devia ter os seus setenta anos, pediu-me ajuda para escolher uma prenda para uma amiga. Jornalista durante décadas, 12 obras publicadas e eu ouvi-a e não fui capaz de dizer que estudei Comunicação Social, que já quis muito ser jornalista, que já tinha imaginado a minha vida como a dela. No final ela disse-me
menina, queria tanto dar-lhe um livro. Achei o gesto muito bonito, a atitude de agradecimento quando eu só estava a fazer o meu trabalho. Disse-lhe que não precisava, mas ela insistiu.
Amanhã mando aqui alguém trazer-lhe o livro. Como se chama? E antes de sair, estava eu a dobrar um lote ela disse
Andreia. Não me vou esquecer.
Podia trabalhar como funcionária o resto da minha vida, tem-me corrido bem, apesar de não me adaptar ao ambiente de trabalho. Os clientes, alguns deles, apreciam o meu atendimento, valorizam a minha opinião no que toca a combinar camisas e casacos. Eu podia, se quisesse alguma estabilidade, simplesmente habituar-me a isto. Contentar-me. Mas não estou a ser mal-agradecida quando digo que não é suficiente. Não é suficiente quando podemos ser mais, podemos melhores, podemos ser tudo o que quisermos desde que estejamos dispostos a esse ponto. Eu acredito que somos o que queremos. Não é suficiente se não é o que quero. Sou mimada a esse ponto, espero que tu também.
Bem, já escrevi muito e o soninho já me chama… Queria dar os parabéns à Telma por ser uma cabra e ir passar a passagem de ano à Madeira. Queria mandar beijinhos a todos os meus amigos que lerem isto (sinto saudades) e os que não o são e se deram ao trabalho de ler mando um obrigada sincero. E, Ricardo, até amanhã.